Sunday, December 11, 2005

O cumprimento (parte III)

Tal como na mais importante triologia do cinema, O Padrinho, também neste assunto o Arranha decidiu que seria melhor dar algum tempo de pausa antes de abordar o derradeiro capítulo desta saga.
A última e mais dura reflexão sobre a temática do cumprimento debruça-se sobre as mais importantes questões funcionais e relacionais do mesmo.
Dada a complexidade intrínseca a esta temática, penso que a melhor maneira de "arrumar" esta matéria será através da enumeração de diferentes situações. Como é óbvio, não serão abordadas todas as possibilidades, mas os princípios que regem as situações referidas poderão ser transpostos para as outras situações cujas premissas relacionais se revelem semelhantes.
1ª situação – Entrada na discoteca
Em situações onde as nossas divagações nocturnas nos levem a estabelecimentos em que não somos vistos como clientes da casa, nunca deveremos proferir a expressão “Boa Noite” antes do porteiro, pois ela irá ressoar na sua mente primária como a custosa, para nós, expressão “Quanto é?”.
Nos estabelecimentos onde já somos tidos como clientes da casa, nunca, mas nunca, devemos ser nós a estender a mão primeiro de forma a executar o precioso cumprimento. Porquê? Porque desta forma não faremos aquela triste figura de pessoa que anseia demonstrar conhecer o porteiro. Aliás, o porteiro deve ser tratado com a maior discrição possível, ou seja, um cumprimento meramente cordial e ausente de qualquer efusividade.
2ª situação – Estranho à distância de amigo
Quando estamos em plena confraternização com um amigo/a e alguém se acerca de nós de forma a falar com ele/a, não se apresentando a nós, ficamos na delicada situação de ter duas pessoas a falar imediatamente ao lado mas cuja conversa não nos diz rigorosamente nada. Nestas alturas e no caso do sujeito/a não proceder ao cumprimento aquando da abordagem inicial, o amigo/a deve fazer as apresentações. No caso de não acontecer qualquer atitude amistosa por parte do estranho ou qualquer tipologia de apresentação por parte do amigo, não devemos ceder à tentação de ficar desconfortáveis com a situação, ou seja, se o intruso/a desprezou a nossa presença, deveremos retorquir-lhe pelo mesmo tratamento. De qualquer forma, nunca deverá partir de nós o acto do cumprimento nestas situações.
3ª situação – Grupos Grandes
Estas situações são das mais embaraçosas e ao mesmo tempo das mais simples de resolver. Nunca, em casos de grupos com mais de 5 pessoas, se deve executar qualquer tipo de cumprimento a não ser o aceno geral. Esta conduta poupar-nos-á a uma extensa “beijoquice” e “bacalhauzice” (não há nada mais ridículo do que aquelas longas sequências de trocas de beijos numa festa numerosa, pior ainda quando são dois a cada pessoa), algo que nos deixa de imediato completamente retraídos. No entanto, pode haver sempre um/uma Empata-Aceno que mal nos vê vem-nos cumprimentar com uma grande pompa e circunstância. É óbvio que após se cumprimentar um, tem de se cumprimentar todos, mas não nos devemos esquecer dessa mesma pessoa e, assim que possível, procurar "acidentalmente" entornar sobre ele/a algo de forma a puni-lo sobre a penosa beijoquice a que nos impôs.
4ª situação – Cumprimentar ou não cumprimentar, eis a questão
O mundo está divido em conhecidos, desconhecidos e a pior espécie de todas, os ex-conhecidos. Há muitas pessoas que, pelas incidências da vida, vamos conhecendo para depois desconhecer e às vezes voltar a conhecer. Essas são, a meu ver, as pessoas que deveriam desaparecer da “nossa” face do planeta.
Estas situações são extremamente frágeis, pois a linha entre uma pessoa simpática e uma pessoa antipática é muito ténue. É curioso como muitas vezes passamos por pessoas que conhecemos e que nos conhecem a nós e, no entanto, ninguém se fala. Penso que este desprezo, se for recíproco, é salutar pois não temos de andar aos beijinhos e aos “bacalhaus” a toda a gente que por certas e determinadas circunstâncias da vida nos cruzámos no passado. A quantidade de conversa da treta que é poupada através desta conduta será fundamental para a nossa futura existência. Aliás, penso que devo ter gasto bastante da mesma quando era mais novo pois hoje em dia, sinto que me restam poucos créditos para gastar. Penso também em relação a esta situação que a pessoa só deve abordar por gosto e não por obrigação, pois valorizo bastante mais as inimizades do que as falsas amizades.
5ª e última situação – A relação amorosa
Nunca se deve, ao cruzar com uma pessoa que conheçamos mal, perguntar de imediato sobre o namorado/a dessa mesma pessoa, a não ser por uma razão que mais à frente abordarei. Regularmente são usadas expressões como “Olá! Então e o Joaquim, tá porreiro?” ou “Então pá! Como é que está a Vanessa?”, a que muitas vezes se segue um “Não sei.” ou um “Tudo bem.” com um ar triste ou ainda, mais directamente, um “Já não ando com ele/a.”. Nestas alturas, o inquisidor/ra fica enrascado com a escolha entre procurar saber mais sobre o que se passou, através da pergunta “Então, o que é que se passou?” ou terminar friamente com um “Olha, são vidas...”. No entanto, o questionar sobre a vida amorosa pode, por outro lado, ter um carácter informativo bastante positivo na eventualidade de uma possível aproximação entre o/a remetente da pergunta e o/a receptor/ra da mesma. Desta forma, há que proceder a uma cuidada ponderação antes de usar esta técnica.
Está pois dada a visão do Arranha sobre este pequeno segmento do maravilhoso mundo social.

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